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Cérebro fora da área de cobertura

Cérebro fora da área de cobertura

Os vestibulares estão chegando e, com eles, um cenário cada vez mais comum: jovens exaustos, correndo contra o tempo, tentando dar conta de tudo e de todos os sonhos que o mundo lhes cobra.

Aos 17 anos, são pressionados a escolher uma profissão, a definir um rumo para a vida adulta — e a fazer isso num tempo em que nem sabemos ao certo que profissões existirão daqui a três anos. A Inteligência Artificial muda a paisagem do trabalho, a cultura digital redefine o que é sucesso e, ainda assim, continuamos pedindo aos adolescentes que decidam, com segurança, o que querem ser “para sempre”.

Essa fase sempre foi difícil, mas hoje é brutal. Nunca houve tanta cobrança — de ser produtivo, saudável, magro, jovem, espiritualmente equilibrado e feliz o tempo todo. Precisamos ser muitos ao mesmo tempo, e a exaustão virou parte do currículo. É claro que o estudo exige dedicação, treino e repetição.

A aprendizagem se consolida com esforço, com prática e com disciplina — a neurociência confirma isso. Mas há momentos, como este que antecede os vestibulares, em que outros recursos se tornam ainda mais determinantes para o desempenho: o descanso, o sono e o equilíbrio emocional. O cérebro precisa de energia e espaço para funcionar bem, e é aí que muitos tropeçam — tentando aprender mais quando, na verdade, precisariam parar.

A ideia de que o sofrimento é sinônimo de aprendizado é um mito que a ciência desmonta com dados claros: o cérebro não foi feito para funcionar 12 horas seguidas em alta performance. Ele não é uma máquina que liga e desliga. É um organismo vivo, mais parecido com um músculo que precisa alternar esforço e descanso para se fortalecer.

O neurocientista Daniel Levitin explica que nosso sistema de atenção opera em dois modos principais: o focado, quando estamos concentrados em uma tarefa, e o difuso, quando a mente vaga livremente. Ambos são indispensáveis para aprender — mas vivemos presos no primeiro, acreditando que descansar é perder tempo. Só que não é.

Quando você pausa, respira, olha para o nada ou simplesmente cochila, ativa a chamada “rede neural de modo padrão”. É nesse momento que o cérebro organiza informações, faz conexões criativas e consolida a memória. Stanislas Dehaene, um dos estudiosos da aprendizagem, é categórico: sem descanso, o cérebro simplesmente não aprende direito.

A pausa não é o intervalo entre dois estudos — é parte essencial do processo.

Mas há um inimigo que vem roubando essa pausa: o estresse. Em pequenas doses, ele é até útil, aquele frio na barriga que mantém a mente alerta. Mas quando se torna constante, como acontece entre simulados, notificações e comparações nas redes sociais, o corpo entra em modo de emergência.

O hormônio cortisol, liberado em excesso, atrapalha justamente as áreas cerebrais responsáveis pela memória e pelo raciocínio. Ou seja, quanto mais você se estressa tentando memorizar, menos consegue memorizar. É um verdadeiro tiro no pé neurológico.

E se o estresse não bastasse, ainda vem o sono — ou melhor, a falta dele. Dormir mal para estudar mais é como tentar encher um tanque de combustível enquanto ele está vazando. Não funciona.

Durante o sono, especialmente na fase REM, o cérebro trabalha ativamente para consolidar o que foi aprendido e processar as emoções do dia. O neurocientista Matthew Walker mostra que o sono é o momento em que o cérebro “fixa” o aprendizado. Virar a noite estudando pode até parecer heroico, mas, na prática, é contraproducente.

O cenário piora com a digitalização dos estudos. As ferramentas que prometem facilitar a vida — aplicativos, videoaulas, grupos de WhatsApp — também ampliam a dispersão.

Cada notificação, cada “só uma olhadinha” no Instagram é uma interrupção que custa caro: estudos mostram que o cérebro pode levar de 23 a 25 minutos para recuperar a concentração plena depois de uma distração (Mark, 2008; Mark, 2022).

E quando somamos isso à comparação constante nas redes, o resultado é devastador. Ver colegas postando rotinas perfeitas, planners impecáveis e horas de estudo ininterruptas faz parecer que estamos sempre atrasados. E assim, quanto mais tentamos acompanhar, mais cansados e menos produtivos ficamos.

Curiosamente, esse dado não contradiz a famosa Técnica Pomodoro, que propõe blocos de 25 minutos de foco seguidos de 5 minutos de pausa. Na verdade, eles se complementam.

O tempo de 25 minutos citado por Gloria Mark se refere à dificuldade de retomar o foco depois de uma distração não planejada — como olhar o celular ou checar mensagens. Já o Pomodoro tem o objetivo oposto: é um método para evitar essas distrações, criando pausas intencionais antes que a mente entre em colapso.

Enquanto um mede o custo da interrupção, o outro ensina a preveni-la.

Mas vale um alerta importante: nem toda pausa é descanso. Se nesses cinco minutos você abre o TikTok ou qualquer rede social, o cérebro não descansa — ele só troca de estímulo.

Em vez de acionar as redes neurais de repouso, que reorganizam ideias e consolidam memórias, ele continua em alerta, processando novos sons, imagens e recompensas rápidas. O resultado é o mesmo cansaço disfarçado.

O verdadeiro intervalo é aquele em que a mente respira: levantar-se, se alongar, olhar pela janela, beber água, deixar o pensamento vagar. É nesse silêncio ativo que o cérebro se recompõe — e o aprendizado realmente se consolida.

Talvez o desafio não esteja em estudar mais, mas em aprender a se proteger do excesso. Criar uma relação mais gentil com o próprio ritmo é, em si, um ato de inteligência emocional — e um exercício de presença.

Mas há esperança — e ela começa quando paramos de lutar contra a natureza do nosso cérebro.

Aprender a descansar é aprender a aprender. O simples ato de fazer pausas estratégicas e regulares, respeitando os ciclos naturais da atenção, ajuda a preservar o foco e a energia mental.

Desligar notificações, deixar o celular em outro cômodo, priorizar o sono e, acima de tudo, falar sobre o que se sente são atitudes que transformam o estudo em um processo mais humano e sustentável.

Se você é pai, mãe ou educador, talvez o gesto mais importante agora seja mudar a pergunta.

Em vez de “quanto você estudou hoje?”, tente “como você está se sentindo?”.

Ensinar a cuidar da mente é tão essencial quanto ensinar fórmulas. A escola e a família precisam ser espaços de equilíbrio, não de exaustão. Não se cobra performance de quem não tem energia para pensar.

O futuro não vai pertencer a quem decora mais rápido, mas a quem consegue pensar com clareza, regular emoções e preservar a saúde mental. Essas, sim, são as habilidades do século XXI.

O vestibular passa. O aprendizado fica.

E o que realmente importa é a relação que cada jovem constrói com o conhecimento — e consigo mesmo.

Se o cansaço está gritando mais alto que a vontade de aprender, talvez seja hora de ouvir o que o cérebro está pedindo: uma pausa, um respiro, um reset.

Porque, às vezes, o maior ato de inteligência é reconhecer que desligar também é estudar, que descansar é produzir, e que cuidar de si é o fundamento de todo aprendizado duradouro.

Referências:

Dehaene, Stanislas. Como Aprendemos: Porque o cérebro é o melhor professor. Editora Penso, 2020.

Levitin, Daniel J. A Mente Organizada: Como pensar com clareza na era da sobrecarga de informação. Editora Objetiva, 2015.

Newport, Cal. Trabalho Focado: Como ter sucesso em um mundo distraído. Editora Sextante, 2017.

Walker, Matthew. Por que Nós Dormimos: A nova ciência do sono e do sonho. Editora Intrínseca, 2018.

Mark, G. Attention Span: A Groundbreaking Way to Restore Balance, Happiness and Productivity. HarperCollins, 2022.

Mark, G.; Gudith, D.; Klocke, U. The Cost of Interrupted Work: More Speed and Stress. CHI 2008 Proceedings.

Cirillo, Francesco. The Pomodoro Technique. 2006; edições posteriores.

Ogut, E. et al. Assessing the efficacy of the Pomodoro technique in enhancing anatomy lesson retention during study sessions: a scoping review. BMC Medical Education, vol. 25, 2025, article 1440.

Juliana Fornari

Juliana Fornari

Juliana Savoy Fornari é doutora em Educação pela UNICAMP e atua há mais de 25 anos no setor, com experiência como professora, coordenadora, diretora acadêmica e atualmente como integrante do conselho estratégico do Grupo Anchieta (SP). Liderou a implantação do ensino híbrido e da EAD da instituição, sempre com olhar crítico e inovador, e hoje coordena um grupo de pesquisa sobre inteligência artificial na educação. Apaixonada por neurociência, acredita em uma educação disruptiva, mas ancorada na ética e na afetividade. Mãe da Clara e do Matheus, encontra neles sua maior inspiração para nutrir reflexões que compartilha em palestras, escritos e no Instagram @julianafornari.educa.

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